Cáceres, 18 de junho de 2025 - 04:17

A exclusão do cônjuge como herdeiro necessário: implicações jurídicas da reforma do Código Civil

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 A proposta para a reforma do Código Civil brasileiro, em tramitação no Senado, reacende discussões profundas sobre a natureza e os limites da autonomia privada no Direito das Sucessões.

 O projeto de Lei nº 4/2025 entre outras propostas apresentadas, propõe uma alteração significativa no artigo 1.845 do código, propõe-se a retirada do cônjuge da lista de herdeiros necessários.

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 Pela legislação atual, o cônjuge sobrevivente concorre com descendentes e ascendentes à legítima — a parcela da herança que obrigatoriamente deve ser reservada aos herdeiros necessários, independentemente da vontade do testador. Caso aprovada, a nova regra asseguraria o direito apenas aos descendentes e ascendentes, remetendo o cônjuge à condição de herdeiro apenas na ausência desses, nos termos do novo artigo 1.838 do anteprojeto.

 Sob a ótica da autonomia testamentária, os defensores da proposta afirmam que a mudança ampliaria a liberdade do titular do patrimônio de dispor de seus bens pós-morte. A justificativa mais recorrente é que o cônjuge já possui proteção patrimonial garantida pela meação — em regimes de comunhão parcial, por exemplo — e que, portanto, não haveria necessidade de proteção adicional pela via sucessória. Além disso, a proposta se apoia em argumentos sociológicos: em tempos de múltiplas configurações familiares e casamentos menos duradouros, a sucessão legal deveria refletir essa nova realidade com mais flexibilidade.

 Contudo, por essa ótica ignora-se o fato de que o casamento não é apenas um contrato patrimonial, mas uma estrutura de vida compartilhada, muitas vezes marcada por interdependência econômica, afetiva e social. Ao limitar os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente, o legislador fragiliza uma das figuras centrais da organização familiar, reduzindo sua participação a uma eventualidade, e desconsiderando o seu esforço na formação e manutenção do patrimônio.

 Nesse contexto, a psicanálise lacaniana oferece uma chave de leitura complementar. Ao afirmar que “o desejo do homem é o desejo do Outro”, Lacan revela que a constituição do sujeito se dá na relação com o outro. O casamento, como pacto de reconhecimento mútuo é também um espaço de projeção, desejo e alteridade. Ao suprimir a herança como reflexo desse vínculo, o direito ignora a complexidade subjetiva da vida conjugal e reduz o casamento a um contrato formal sem consequências existenciais ou patrimoniais.

 Além disso, há implicações práticas: em um país com baixa cultura de planejamento sucessório e elevada desigualdade socioeconômica, a exclusão do cônjuge sobrevivente pode resultar em situações de extrema vulnerabilidade, especialmente para mulheres que dedicam sua vida ao cuidado da família e do lar, sem retorno financeiro. A liberdade de testar, se não for equilibrada com mecanismos protetivos, corre o risco de se converter em fator de desamparo e insegurança jurídica.

 A exclusão do cônjuge como herdeiro necessário não representa um avanço, mas uma ruptura com os princípios estruturantes do Direito das Famílias e das Sucessões. Embora a ampliação da liberdade testamentária seja legítima, ela não pode suprimir o direito de quem compartilhou a construção e manutenção da vida e do patrimônio do de cujus.

 O cônjuge, por tudo o que representa jurídica e simbolicamente, deve permanecer como figura central no regime sucessório. Afinal, herdar não é apenas receber bens: é ser reconhecido na história que se construiu a dois.

 Cibeli Simões Santos, advogada, sócia fundadora do Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia; Mestra em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso; Doutora em Direito pela Universidade de Marília- SP; Presidente da 3ª Subseção de Cáceres- OABMT, triênio 2025/2027.

 Angela Thainara J. Lopes, advogada no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia; Pós-graduanda em Direito Privado e pós-graduanda em Direito das Famílias e Sucessões pelo Instituto Legale Educacional S.A.

 Vitória Fernanda Martins Bruno, estagiária no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia e graduanda em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Projeto de Lei nº 4, de 2025. Altera dispositivos do Código Civil referentes ao Direito das Sucessões. Senado Federal, Brasília, DF, 2025. Disponível em: https://www25.senado.leg.br. Acesso em: 16 jun. 2025.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: sucessões. 21. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2023. v. 6.

LACAN, Jacques. O seminário: livro 11 – os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.

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