A crescente complexidade das relações de trabalho no Brasil, especialmente diante da flexibilização contratual e das novas formas de organização produtiva, tem levado o Poder Judiciário a enfrentar importantes discussões sobre os limites da autonomia privada, liberdade econômica e a proteção dos direitos trabalhistas. No cenário atual os tribunais vem enfrentando o tema da “pejotização”, prática pela qual empregadores contratam trabalhadores por meio de pessoas jurídicas, em vez de vínculos celetistas tradicionais, levantando questionamentos sobre fraude nas relações de trabalho e precarização de direitos.
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Diante dessa controvérsia, o Supremo Tribunal Federal foi recentemente chamado a se manifestar sobre o tema, assumindo papel central na definição dos contornos jurídicos dessa prática que vem se tornando cada vez mais comum.
No último dia 14 de abril de 2025, o STF, por meio de decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes, no bojo do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE nº 1532603), reconheceu a repercussão geral do Tema 1389, que tem como pano de fundo as nuances que envolvem a contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, conhecida no mundo jurídico e empresarial, como “pejotização”, bem como determinou a suspensão nacional de todos os processos que tem por objeto tal situação jurídica.
Na prática, a pejotização ocorre quando uma empresa contrata um profissional para prestar serviços, mas o faz através de uma pessoa jurídica. Isso pode ser vantajoso para as empresas, pois reduz custos com encargos trabalhistas, como FGTS, férias, 13º salário e outros benefícios que são garantidos aos trabalhadores sob o regime da CLT.
Entretanto, essa prática levanta diversas questões jurídicas e éticas. A pejotização, dependendo da forma em que é realizada na prática, pode ser considerada uma forma de fraude à legislação trabalhista, uma vez que, na essência, o trabalhador continua exercendo atividades que caracterizariam uma relação de emprego, sem que receba os direitos inerentes.
Ou seja, são questões ambíguas que assumem relevância crucial no cenário jurídico-trabalhista brasileiro, considerando a crescente utilização da terceirização como modelo de gestão e a necessidade de se estabelecerem parâmetros claros e seguros para a sua aplicação, evitando-se a precarização das relações de trabalho e a violação de direitos fundamentais dos trabalhadores.
O STF em suas decisões mais recentes, aplicando o preceito emanado através da ADPF nº 324, tem entendido que é lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada.
Tal posicionamento está alicerçado nos princípios da livre iniciativa e da liberdade de contratar, previstos no artigo 1º, IV, e no artigo 5º, II, da Constituição Federal, assegurando às empresas a autonomia para organizar seus processos produtivos da maneira que considerarem mais eficiente, sem que isso implique, por si só, a caracterização de vínculo empregatício entre a empresa contratante e os empregados da empresa contratada.
A problemática que motivou o reconhecimento da repercussão geral reside no descumprimento sistemático do referido entendimento pela Justiça do Trabalho, o que tem gerado um ambiente de insegurança jurídica e a multiplicação de demandas que chegam à Suprema Corte, tornando-a, na prática, como alertado pelo Ministro relator, “uma instância revisora de decisões trabalhistas”.
Todavia, tal entendimento pode ser visto como uma forma de minar e enfraquecer a Justiça Laboral, justamente porque, um dos pontos que está sob a análise da Corte Suprema diz respeito justamente a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de fraude que envolvem as relações de trabalho.
Conforme avaliou o Juiz do Trabalho Luiz Eduardo Fontenele, do Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo, através de matéria publicada pelo Instituto Humanistas Unisinos[1], “A decisão trata a Justiça do Trabalho como se fosse uma instituição rebelde, o que é inaceitável. Desde a Constituição de 1946 e, mais ainda, após a Emenda Constitucional 45 de 2004, é papel da Justiça do Trabalho julgar fraudes nas relações de trabalho. […] O questionamento da competência da Justiça do Trabalho por meio do tema 1389 vai na contramão desse reconhecimento.”
Por sua vez, a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) apontou a decisão como “um ataque direto à função investigativa e corretiva da Justiça Laboral diante de relações camufladas”. Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) qualificou o voto como ofensiva à cidadania trabalhista, favorecendo a blindagem empresarial em detrimento da legalidade social, conforme matéria publicada pelo Conjur[2].
Diante desse cenário, a decisão do Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a repercussão geral do Tema 1389 representa um marco de inflexão nas relações de trabalho no Brasil. Embora embasada em princípios constitucionais como a livre iniciativa e a liberdade contratual, a medida acende um alerta sobre os riscos de se institucionalizar práticas que mascaram vínculos empregatícios legítimos e fragilizam a proteção jurídica dos trabalhadores.
Ao suspender nacionalmente os processos que discutem a pejotização, a Corte Suprema não apenas interfere na autonomia da Justiça do Trabalho, mas também lança dúvidas sobre o equilíbrio entre os direitos sociais e os interesses econômicos. O discurso da eficiência produtiva não pode servir como escudo para a precarização sistemática das relações laborais, nem tampouco justificar o esvaziamento das garantias previstas na Consolidação das Leis do Trabalho.
Fontes:
Pejotização: Entidades convocam ato em defesa da Justiça do Trabalho. Migalhas. 05 de maio de 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/429630/pejotizacao-entidades-convocam-ato-em-defesa-da-justica-do-trabalho. Acesso em: 05 de maio de 2025.
STF suspende processos sobre pejotização: qual o impacto para as empresas?. Correio Braziliense. 04 de maio de 2025. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/trabalho-e-formacao/2025/05/7131187-stf-suspende-processos-sobre-pejotizacao-qual-o-impacto-para-as-empresas.html. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Decisão do STF que suspende processos sobre pejotização repercute no Senado. Rádio Senado. Brasília – DF. 29 de abril de 2025. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2025/04/29/decisao-do-stf-que-suspende-processos-sobre-pejotizacao-repercute-no-senado. Acesso em 05 de maio de 2025.
STF suspende processos em todo o país sobre licitude de contratos de prestação de serviços. Noticias STF – https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-suspende-processos-em-todo-o-pais-sobre-licitude-de-contratos-de-prestacao-de-servicos/. Acesso em 02 de maio de 2025.
“Pejotização”: STF se alinha à elite econômica e põe em risco Constituição e Previdência, dizem juristas – Instituto Humanistas Unisinos – https://www.ihu.unisinos.br/650898. Acesso em 02.05.2025
STF, pejotização e o silêncio imposto à Justiça do Trabalho: a quem interessa uma nação de trabalhadores sem direitos? – Brasil de fato – https://www.brasildefato.com.br/2025/04/26/stf-pejotizacao-e-o-silencio-imposto-a-justica-do-trabalho-a-quem-interessa-uma-nacao-de-trabalhadores-sem-direitos/. Acesso em 02 de maio de 2025
STF suspende ações sobre pejotização e abre caminho à blindagem institucional da fraude – Conjur – https://www.conjur.com.br/2025-abr-20/stf-suspende-acoes-sobre-pejotizacao-e-abre-caminho-a-blindagem-institucional-da-fraude/. Acesso em 02 de maio de 2025
Jackson Wakzemy Rikbakta, Advogado no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia, Pós-Graduando em Direito do Agronegócio pela ESA/MT e UFMT.
Nathália Beltrão de Araujo. Advogada no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia, Pós-Graduada em Direito do Consumidor pela Universidade São Judas Tadeu e em Direito Trabalho e Processo do Trabalho pela Gran Centro Universitário. Pós-Graduanda em Direito Empresarial e em Direito do Agronegócio pela Legale Eduacacional S.A.
Victor Luiz Martins de Almeida. Advogado Associado no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia. Pós-graduado em Direito e Compliance Trabalhista pelo Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV e Pós-graduando em Direito do Agronegócio pela Universidade Federal do Mato Grosso.
[1] https://www.ihu.unisinos.br/650898
[2] https://www.conjur.com.br/2025-abr-20/stf-suspende-acoes-sobre-pejotizacao-e-abre-caminho-a-blindagem-institucional-da-fraude/
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