Cáceres, 20 de maio de 2025 - 14:53

Bebês Reborn e os Desafios Jurídicos na Era da Hiper-Realidade

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 Em uma era marcada pela hiper-realidade e por vínculos afetivos cada vez mais líquidos e efêmeros, os bebês reborn — bonecos hiper-realistas moldados à semelhança de recém-nascidos — emergem como objetos de consolo emocional, expressão artística e, não raro, fonte de confusão ontológica, ou seja, uma indefinição quanto à natureza real desses bonecos, que passam a ser tratados como se fossem pessoas, embaralhando os limites entre o que é objeto e o que é sujeito. A esses bonecos se atribuem nomes, rotinas, personalidades e, em certos contextos, até mesmo direitos simbólicos. Surge, então, uma indagação pertinente: seria legítimo ao ordenamento jurídico brasileiro reconhecer tais projeções afetivas como juridicamente relevantes?

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 Do ponto de vista técnico, os bebês reborn não ultrapassam o status jurídico de bens móveis. Conforme dispõe o artigo 82 do Código Civil Brasileiro, “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia” (Brasil, 2002). São, portanto, objetos corpóreos, destituídos de personalidade jurídica — o que inviabiliza qualquer pretensão de reconhecimento como sujeitos de direito.

 O artigo 1º do mesmo diploma legal reforça esse entendimento ao afirmar que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Essa é a base da teoria da personalidade jurídica, cuja titularidade é exclusiva de pessoas naturais ou jurídicas, excluindo, sem margem interpretativa, qualquer ente inanimado, por mais sofisticado ou afetivamente investido que seja.

 Contudo, na prática, os conflitos não giram em torno do boneco em si, mas da monetização de sua imagem em ambientes digitais. Influenciadores com milhares de seguidores mantêm perfis inteiramente dedicados ao “filho reborn”, gerando renda, contratos publicitários e reconhecimento online. Nesse cenário, a discussão desloca-se do campo ontológico para o do direito patrimonial digital.

 Aqui, o bebê reborn torna-se vetor de uma propriedade intelectual derivada — envolvendo perfis, marcas e contratos de imagem. Trata-se de uma discussão que deve ser enquadrada no âmbito do Direito Civil patrimonial, e não no Direito de Família, como alguns equivocadamente propõem: quem detém o controle das contas? Quem figura como titular nos contratos firmados? Há exploração econômica legítima?

 É relevante destacar que, em determinados contextos clínicos, os bebês reborn são utilizados como instrumentos terapêuticos — sobretudo na elaboração do luto perinatal ou em processos de infertilidade. No entanto, especialistas alertam para os riscos de apego simbiótico não supervisionado.

 A psicóloga perinatal Rafaela Schiavo adverte: “não se é mãe de um boneco. O vínculo saudável com um reborn deve ser passageiro e simbólico, nunca substitutivo” (Schiavo, 2025). Já Carla Campos pondera que, embora haja função de consolo, “o uso contínuo como fuga da realidade pode indicar dissociação afetiva e dificuldades de reintegração psíquica” (Campos, 2025).

 A psicóloga Alessandra Salum vai além: “quando o cuidado com o reborn substitui laços sociais reais ou se torna rotina dominante, pode representar sofrimento psíquico não reconhecido” (Salum, 2025). Assim, ao delimitar os limites do simbólico, o Direito também cumpre a função de freio normativo contra a patologização das relações.

 Embora a Constituição Federal assegure a liberdade de expressão e de manifestação afetiva, ela não legitima a transformação de fantasias privadas em normas jurídicas. O afeto, por mais legítimo que seja, não converte um boneco em pessoa, tampouco uma idealização em sujeito de direito. O papel do Direito é justamente o de distinguir entre realidade e ficção, protegendo a saúde psíquica coletiva e a coerência normativa.

 Em um cenário em que emoções são frequentemente convertidas em mercadorias e símbolos, torna-se essencial reafirmar o papel do Direito como ferramenta de equilíbrio entre o subjetivo e o normativo. O fato de um bebê reborn despertar vínculos afetivos não altera sua natureza jurídica: ele permanece um bem móvel, sem personalidade ou direitos próprios. Embora o Direito não deva ignorar os fenômenos sociais contemporâneos, sua legitimidade repousa justamente na capacidade de estabelecer limites racionais frente às projeções simbólicas da afetividade.

 Cabe ao operador do Direito, portanto, interpretar com sensibilidade, mas decidir com técnica — reconhecendo que nem toda experiência emocional encontra respaldo no arcabouço normativo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-47, 11 jan. 2002.

CAMPOS, Carla. Tratar bebês reborn como crianças reais é risco para a saúde mental, especialista explica. O Tempo, 6 maio 2025. Disponível em: https://www.otempo.com.br/brasil/2025/5/6/tratar-bebes-reborn-como-criancas-reais-e-risco-para-a-saude-mental-especialista-explica. Acesso em: 14 maio 2025.

SALUM, Alessandra. Cuidado excessivo com bebês reborn pode ser sinal de alerta, afirma psicóloga. Jornal da Manhã, 7 maio 2025. Disponível em: https://jmonline.com.br/cidade/cuidado-excessivo-com-bebes-reborn-pode-ser-sinal-de-alerta-afirma-psicologa-1.501199. Acesso em: 14 maio 2025.

SCHIAVO, Rafaela. Psicóloga alerta: Gracyanne com bebê reborn – ninguém é mãe de um boneco. Caras, 8 maio 2025. Disponível em: https://caras.com.br/bem-estar/psicologa-alerta-gracyanne-com-bebe-reborn-ninguem-e-mae-de-um-boneco.phtml. Acesso em: 14 maio 2025.

 Cibeli Simões Santos, graduada em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso, é especialista em Direito Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Mato Grosso; Mestra em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso. Doutora em Direito pela Universidade de Marília/SP; Presidente da 3ª Subseção de Cáceres-OAB/MT, triênio 2022/2024 e 2025/2027 e autora do livro Propriedade Privada e a Função Social Constitucional: o complexo equilíbrio entre o Meio Ambiente e o Agronegócio na Ordem Econômica Brasileira.

 Angela Thainara J. Lopes, advogada no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia, Pós-graduanda em Direito Privado e Pós-graduanda em Direito das Famílias e Sucessões pelo Instituto Legale Educacional S.A.

 Vitória Fernanda Martins Bruno, estagiária no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia e graduanda do 10º semestre em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso.

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