Cáceres, 26 de novembro de 2024 - 20:44

Agência quer “privatizar” o Rio Paraguai no trecho entre Cáceres e Porto do Murtinho em 2025

 Cobrança de pedágio incidirá apenas sobre o transporte de cargas e terá início depois das dragagens necessárias e da instalação de sinalização entre Porto Murtinho e Cáceres

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 Em meio à seca histórica que atinge o Rio Paraguai, fenômeno que reduziu em 43% o transporte de minérios e soja no primeiro trimestre do ano, o projeto de privatização da hidrovia anda a pleno vapor e a previsão da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) é concluir o processo de concessão ainda em 2025.

 A hidrovia, entre Cáceres (MT) e Porto Murtinho (MS), faz parte de um pacote de outras três concessões de hidrovias em diferentes regiões do país que devem ser concluídas no próximo ano.

 A primeira delas é a do Rio Madeira, que liga Porto Velho (RO) a Itacoatiara (AM), e deve ser levada a leilão na B3 até março. As demais também estão previstas para 2025, conforme Eduardo Nery, diretor-geral da Antaq.

 Logo na sequência deve ser vez da hidrovia do Rio Paraguai, que já é utilizada comercialmente e demanda de investimentos menores em comparação com as outras duas que estãp nos planos da Antaq (da lagoa Mirim (RS) – que fará a conexão entre o Brasil e o Uruguai – e da hidrovia Barra Norte (AP), na foz do rio Amazonas junto ao oceano Atlântico)

 Cada hidrovia contará com modelagem própria, podendo ser repassada para a iniciativa privada pelo sistema de concessão tradicional ou concessão patrocinada. No segundo caso, existe a possibilidade de o governo federal arcar com parte da tarifa ou, mais provável, realizar parte do investimento necessário nas vias, se responsabilizando pelas intervenções mais custosas, antes de repassar a hidrovia para a gestão privada.

 No caso do Rio Paraguai, a previsão é de que será uma concessão pura, uma vez que já conta com tráfego, o que viabiliza a operação comercial.

 VOLUME RECORDE

 No ano passado foram despachadas 7,91 milhões de toneladas, representando recorde histórico e alta de quase 73% na comparação com o ano anterior. Isso equivale à retirada de cerca de 160 mil carretas das rodovias ao longo de um ano.

 Só em minérios foram 6 milhões de toneladas. Em segundo lugar veio a soja, despachada a partir de Porto Murtinho, com 1,62 milhão de toneladas.

 Neste ano, porém, por causa da escassez de chuvas, o cenário é desolador. Neste sábado (01) o nível Rio Paraguai em Ladário amanheceu em apenas 1,41 metro, o que é seis centímetros abaixo do pico de 1,47 que o rio atingiu no começo de maio. Ao longo dos últimos 45 dias o nível permaneceu praticamente estável.

 Mas, por conta do início do período de estiagem mais severa, a tendência é de que a partir de agora comece a baixar com maior rapidez e somente melhore depois da volta das chuvas, o que normalmente acontece a partir de outubro.

 Neste ano, é provável que atinja o pior nível desde 1900, quando começaram as medições. Em 1964, o nível em Ladário chegou 61 centímetros abaixo de zero. O segundo pior nível ocorreu em 2021, com 60 centímetros abaixo de zero na mesma régua.

 Em 2021, contudo, o pico chegou a 1,88 metro, o que é 41 centímetros acima do nível máximo de 2024. Ou seja, o volume de águas drenado para o rio no período chuvoso foi maior que agora.

 No ano passado, quando o nível máximo chegou a 4,24 metros, os embarques de minério puderam ser feitos até novembro, quando o nível recuou para um metro em Ladário. Nas últimas semanas daquele mês os comboios desceram o rio com 70% da capacidade.

 A navegação normal ocorre somente quando o rio supera 1,5 metro em Ladário. Então, a tendência é de que a partir de meados de julho haja paralisação total no transporte de minérios.

 PEDÁGIO PARA TURISTAS?

 Já está definido, segundo a Antaq, que apenas as embarcações de transporte de carga serão tarifadas. Com isso, o setor de turismo, que utiliza o rio para transporte de passageiros e a pesca, estará livre da cobrança.

 Além disso, as tarifas só poderão ser cobradas após a implementação das benfeitorias nas vias, como sinalização, balizamento, obras de dragagem e disponibilização de cartas náuticas digitais.

 Hoje, nenhum rio brasileiro conta com as benfeitorias previstas para serem implementadas pelas concessionárias, consideradas básicas do transporte hidroviário. No jargão do mercado, os rios por onde trafegam cargas no Brasil são vias navegáveis, não hidrovias estruturadas.

 O Brasil conta hoje com 42 mil km de vias navegáveis, mas a extensão utilizada é de apenas 19.200 km, por onde trafegaram 128 milhões de toneladas de mercadorias em 2023.

 Nos Estados Unidos, apenas o rio Mississippi transporta por volta de 400 milhões de toneladas de carga por ano. “Temos muito potencial de expansão do transporte hidroviário no Brasil”, diz Nery.

 O transporte hidroviário é atrativo ao gerar economia para o embarcador. A estimativa é que uma barcaça transporte 1.500 toneladas em cargas, volume que exigiria o uso de 60 carretas.

 Segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) , o transporte hidroviário propicia uma redução de 30% nos custos quando comparado ao transporte rodoviário. A emissão de dióxido de carbono (CO2) é estimada em um quarto do que é emitido pelo transporte rodoviário e em dois terços do que é gerado pelo ferroviário.

 DRAGAGENS

 Mas os técnicos da Antaq sabem que a seca do Rio Paraguai neste ano, que pode ser a pior desde 1900, é passageira e a hidrovia tem potencial. Atualmente, o trasporte ocorre principalmente de Corumbá para baixo.

 A proposta de concessão prevê investimentos para ampliar a navegabilidade até Cáceres, em Mato Grosso, o que deve provocar a resistência de ambientalistas. Estes entendem que a dragagem ou retirada de curvas vai acabar “matando” a hidrovia, já que alteraria o fluxo das águas.

 Mas apesar dos questionamentos, ao longo dos 680 quilômetros entre Corumbá e Cáceres já está em andamento um investimento de R$ 81 milhões para dragagem, desobstrução de vegetação e adequação da sinalização.

 Entre Ladário e Porto Murtinho também existe previsão para dragagem de três grandes bancos de areia, nos quais é necessário desconectar os comboios de barcaças com minérios e passar uma por uma, o que atrasa as viagens.

 Cerca de R$ 95 milhões foram incluídos no Novo PAC para este fim, mas até agora não existe previsão para o início dos trabalhos.

 Após a privatização, conforme a Antaq, o volume a ser transportado pelo Rio Paraguai pode aumentar em pelo menos quatro vezes.

 A previsão é de que o projeto de concessão do Rio Paraguai seja entregue ao Tribunal de Contas da União até dezembro deste ano. Depois que receber o aval do TCU é que começa o processo licitatório propriamente dito.

 Reprodução: Neri Kaspary/Correio do Estado

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